Que vinhos para o Serra da Estrela?
Queijo e o vinho parecem ter sido feitos um para o outro. Se lhes juntarmos o pão e as azeitonas, temos a base da alimentação mediterrânea e tudo o que é preciso para uma refeição nutritiva, saudável e, acima de tudo, apetecível.
No entanto, apesar de companheiros inseparáveis, nem todo o vinho harmoniza bem com todo o tipo de queijo. Isso é especialmente verdade para o Serra da Estrela que, certamente por ser o mais conhecido e prestigiado dos queijos portugueses, também tem sido o mais maltratado no que respeita ao seu “casamento” com o vinho.
Não se sabe bem porquê, durante demasiado tempo, os consumidores nacionais tiveram como certo que queijo (fosse ele qual fosse) era para ser acompanhado de vinho tinto, bem ao contrário dos franceses, que há muito elegem o branco como companhia preferencial da grande maioria dos queijos gauleses. E sendo o Serra da Estrela de pasta mole (vulgo “amanteigado”) o queijo nobre mais apreciado pelos portugueses, invariavelmente, lá vinha o tinto fazer-lhe companhia. A qualidade do queijo e a qualidade do vinho valiam por si e, frequentemente, disfarçavam a falta de harmonia. Felizmente, hoje, nos restaurantes mais ambiciosos ou nas casas mais conhecedoras, o “amanteigado” Serra da Estrela é cada vez mais acompanhado por um bom vinho branco.
Existe uma razão ponderosa para que muitos queijos, e em particular o Serra da Estrela de pasta mole, se dêem mal com tintos: a gordura láctea bem evidente neste tipo de queijo “puxa” pelos taninos do tinto, tornando o vinho amargo e agressivo. Ao mesmo tempo, a muitos tintos falta frequentemente a acidez necessária para limpar o palato da gordura do queijo.
Assim, na verdade, para o queijo Serra da Estrela amanteigado, o vinho que melhor resulta é um branco encorpado, com a cremosidade dada pela fermentação em barrica, e com refrescante acidez cítrica. Este perfil encaixa que nem uma luva nos brancos do Dão, produzidos na mesma região que origina o nobre Serra da Estrela, e feitos sobretudo a partir das castas Encruzado e Malvasia Fina.
E quanto ao Serra da Estrela de pasta dura, o queijo velho, com mais tempo de cura? Bom, aí o caso muda de figura. Por um lado, num queijo velho, a gordura láctea é muito menos perceptível; por outro, a cura prolongada “puxou” pelo sal e deu-lhe mais intensidade. Um tinto vigoroso e taninoso continua a ser desaconselhado, mas agora já tem perfeito cabimento um tinto jovem e suave (podemos continuar no Dão, e nos vinhos de Touriga Nacional, Alfrocheiro ou Jaen) com o corpo e a fruta a cumprirem o papel de amaciar e limpar o sabor forte que queijo deixa na boca. Como em tudo na vida, é uma questão de equilíbrio e harmonia.
Mariana Lopes
Jornalista na Revista VINHO Grandes Escolhas