Páscoa: pão, vinho e queijo… perspetivas
No próximo dia 12 de abril, judeus e cristãos comemorarão a solenidade da Páscoa. Ainda na atualidade, os judeus referem-se à festa pelo seu nome original: “Pessach”, de origem hebraica, que quer dizer “passagem” e deu origem, entre outras, à palavra “Páscoa” em português.
A Páscoa judaica é uma festa em que se comemora/ relembra a passagem do povo israelita da escravidão do Egito para a libertação da Terra Prometida, através da travessia do Mar Vermelho. Neste sentido, a Páscoa cristã também está associada à ideia de “passagem” da morte para a vida.
Judeus e cristãos comemoraram, até meados do século IV, a Páscoa no mesmo dia. Mas, os gentios (os novos convertidos ao cristianismo na Europa e Médio Oriente) começaram a reivindicar o facto de o significado da festa ser diferente e, por isso, deviam comemorá-la num dia diferente.
No ano de 325, o Imperador Constantino Magno convocou o Concílio de Niceia. Por unanimidade, a Igreja Católica convencionou festejar a ressurreição de Jesus, sempre, no primeiro domingo depois da primeira lua cheia ocorrida após o dia do equinócio – nome dado à época do ano em que o dia e a noite têm a mesma duração em todos os países – primavera no hemisfério norte e outono no hemisfério sul.
A Páscoa é uma solenidade tão importante que um dia só é pouco. Por essa razão, Judeus e Cristãos levam oito dias a festejar, respetivamente, a passagem do cativeiro à liberdade e da morte à vida.
Os cristãos marcam a Semana Santa com missas especiais como o lava-pés na quinta-feira, e a procissão do Enterro do Senhor na sexta-feira, dia em que muitos fiéis evitam comer carne vermelha, por respeito à morte de Cristo. Este é um evento que culmina com a participação na missa solene do Domingo de Páscoa e a comunhão do corpo de Cristo sob a forma da hóstia cristã.
Já os judeus, durante a Pessach, comem ervas amargas para lembrar a amargura da escravidão, mas também bebem vinho para recordar a doçura da liberdade. Uma iguaria que não pode faltar à mesa é o pão ázimo, feito só de trigo e água, sem fermento, conhecida como “matzá”, símbolo da pressa do povo hebreu ao fugir da escravidão no Egito.
Assim, o pão, para além de alimento rico em termos nutricionais, fonte de energia e saciedade, é também um alimento espiritual, com um importante significado simbólico religioso, que se manifesta diariamente em qualquer parte do mundo e, nesta época do ano, em especial.
Tal como o pão, o mais antigo e fiel companheiro do Homem, também o queijo se revela como um companheiro indiscutível da evolução humana desde a remota domesticação dos animais. Ele é também incontornável na constatação do seu valor alimentar e simbólico, arreigado a muitos povos e culturas. Surge, por exemplo, citado na “Bíblia” e colocado com um valor similar, ao lado do pão e do trigo-candial (variedade de trigo, cuja farinha é muito alva), como presente de boas-vindas.
Já o médico grego Hipócrates, em 450 a.C., afirmava acerca do queijo: “És forte, porque estás próximo da origem da criatura. És nutritivo, porque manténs o melhor do leite. És quente, porque és gordo.”
O queijo quando acompanhado com pão é um alimento quase completo, muito usado pelas classes trabalhadoras, de Norte a Sul de Portugal e Arquipélagos da Madeira e dos Açores, mas também muito consumido pelas classes médias e abastadas, principalmente, no início ou final das refeições.
Tal como o pão, o queijo é uma presença obrigatória à mesa da maior parte das famílias portuguesas, principalmente em eventos que reúnam a família em são convívio, tal como a época da Páscoa.
Quanto ao Queijo da Serra da Estrela, é uma iguaria com mais de dois mil anos, conhecida desde o tempo dos romanos (séc. I d.C.). A sua pasta tem como base o puro leite das lanudas e pachorrentas ovelhas bordaleiras, e destaca-se por ser fino, aveludado e por ter um leve sabor a ervas do campo e um perfume a nata fresca, que o torna único a nível europeu e, facilmente, reconhecível em qualquer canto do mundo.
O Museu do Pão, presente desde 2002 em Seia, tem sido ao longo deste tempo um motor no desenvolvimento da região em que se insere, a Serra da Estrela.
O património material e imaterial de comunidades que o compõem, com os seus costumes e tradições, não deixam desaparecer parte da sua identidade, porque esteve e está sempre presente no espaço museológico e gastronómico que os visitantes podem usufruir no do Museu do Pão.
Através do ciclo do pão, os visitantes percebem o valor intrínseco deste alimento que embeleza a mesa da fraternidade e alimenta o trabalho quotidiano do ser humano. Produto do suor de homens e mulheres, o pão é o alimento que, ao longo dos séculos, constrói laços de fraternidade, fortalece relações e recria saberes e tradições que perpassam gerações.
Os visitantes são convidados a percorrer, através das quatro salas que fazem parte do complexo museológico, as suas vivências pessoais e coletivas, a saborear os produtos regionais e a valorizar o que de melhor e mais genuíno os nossos antepassados nos deixaram como legado. O pão e o queijo fazem parte da mesa da vida, que celebramos na Páscoa como verdadeiros produtos da Mão Terra, fonte de vida.
A Páscoa, o pão e o queijo ajudam a construir a mesa da fraternidade e a tomar consciência de que a vida cresce e se desenvolve como o fermento, a partir de pequenos gestos, presentes em todo o ciclo do pão e na confeção do queijo.
Referências Bibliográficas:
Caetano, Paulo e Vasco, Rui, Da Terra – Doze viagens pelos caminhos da tradição, IDRHa (Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica), Má Criação, 2005
Barboff, M., A Tradição do Pão em Portugal, CTT, 2011
Oliveira Bello, António Maria de, Culinária Portuguesa, Assírio & Alvim, Edição 372, Novembro de 1994
VIP, Alimentos com História – Volume 1, Impala Editores, S.A., 2005