Acautelar o futuro dos pastores da serra da Estrela
Um dos efeitos graves da atual crise sente-se no setor agrícola e na pastorícia. A dificuldade de escoamento de produtos está a afetar muitas familias e uma das profissões, os pastores, pela sua tradição, pelo empenho que revelam no contato com a natureza e com as ovelhas Bordaleiras, merecem um apoio determinado. Não é apenas a economia. É a cultura, é uma tradição ancestral, com raizes profundas nesta região que pode sofrer um forte retrocesso quando estava a ganhar novo dinamismo. Um dos exmplos foi a escola de pastores, que estava a abrir uma janela de oportunidade para o rejuvenescimento da profissão.
É com esse objetivo que fazemos a divulgação de dois testemunhos.
Carlos Lopes
Em entrevista ao canal de televisão regional, VISEUNOW, o pastor Carlos Lopes, de 43 anos do concelho de Mangualde e que fornece o leite que produz à Vale da Estrela desde o início da Queijaria, ano de 2016, caracteriza o dia a dia de um pastor de ovelhas serra da Estrela, a sua origem e paixão pelo que faz.
Como tantos outros na região da serra da Estrela, Carlos Lopes refere que o seu gosto pela atividade tem origem nos seus bisavós e avós, tendo despertado a curiosidade aos 15 anos de idade, onde já ajudava em algumas das tarefas.
Esse gosto permaneceu ao longo dos anos tendo fixado o seu rebanho na raça de ovelha Serra da Estrela. Neste momento tem 94 animais e, como refere, “é aquela ovelha que permite produzir o verdadeiro Queijo Serra da Estrela DOP”, que “tem um leite forte e preso como não há igual” e, “mesmo com o inverno rigoroso obriga sempre a ir para os pastos”.
Acumula a atividade de pastor com outra profissão, porque diz, “que esta raça deveria ter mais apoios” para não se perder esta função e é uma raça autóctone que existe na Serra da Estrela há mais de mil anos. Adianta “que enquanto tiver saúde e as pernas ajudarem, não irei deixar de ser Pastor Serra da Estrela”.
João Pires
João Pires é um jovem pastor, 29 anos, formado em Engenharia Zootécnica na Escola Agrária do Politécnico de Viseu.
Tem no seu avô a origem do gosto pelos animais e mais em concreto pelas ovelhas e cabras que, desde pequeno, fazem parte do seu dia-a-dia. Originário da Covilhã, ao longo do seu curso desenvolveu competências na área dos pequenos ruminantes e decidiu-se estabelecer em Canas de Senhorim, concelho de Nelas.
Neste momento tem um rebanho de ovelhas Serra da Estrela de aproximadamente 630 animais, um dos maiores da região e é membro da Direcção da Estrelacoop, Cooperativa dos Produtores de Queijo Serra da Estrela DOP.
João Pires refere que “nos últimos 3 anos, impulsionados com a chegada de novos investimentos em Queijarias DOP, registou-se algum crescimento nos rebanhos e números de pastores e alguma valorização no preço do leite. Estávamos a ter um melhoramento da actividade, com um novo dinamismo e sentimento de que juntos poderíamos construir um caminho para um futuro melhor.”
Um dos exemplos citados por João Pires é a Escola de Pastores que começou a funcionar no ano passado. “Procura a atração de jovens para esta atividade, promovendo novos conceitos na gestão do maneio animal, da conceção das infraestruturas, na qualidade e segurança alimentar.”
A Escolade Pastores estava a funcionar com 20 alunos, em Viseu. “Também, no âmbito dessa iniciativa, definiu-se apoios financeiros à instalação de jovens pastores na região demarcada para a produção do Queijo Serra da Estrela DOP.”, No entanto, “com a pandemia COVID-19 e o isolamento social, tudo isto está em causa, criando enormes dificuldades.”
João Pires refere ainda que a rotina do pastor “permite estar afastado do stress dessas questões de saúde publica. Na parte da produção de leite, considero que as associações e entidades públicas deveriam estar a promover apoios ao nosso sector primário, de forma direta e célere. No entanto, e no caso da serra da Estrela DOP, as Queijarias estão a fazer um enorme esforço e têm mantido a recolha de leite aos pastores, o que faz toda a diferença para a nossa sobrevivência.”
No entender do dirigente da Estrelacoop, “o que tem de ser pensado no imediato são estratégias e medidas de apoio às queijarias para venderem o queijo que estão a produzir, porque se não o fizermos, em Setembro com o regresso da produção de leite, provavelmente as queijarias não têm capacidade de transformar o leite em queijo.”
João Pires concretiza o seus desejos: “é a altura certa para definitivamente se trazer alguma justiça a estas pessoas. Os Beirões são pessoas muito resilientes, e por isso é que estamos a falar de um produto com mais de mil anos de história e tradição. A melhor ajuda que se pode fazer a todo o ciclo de valor do Queijo Serra da Estrela DOP é valorizar o produto no momento da venda, é conseguir passar a mensagem aos consumidores da riqueza do produto e da justiça que é necessária fazer. Se conseguirmos isso, esse valor será trazido para todos os intervenientes, desde o pastor as queijarias. As entidades oficiais têm de promover os produtos nacionais, proteger o que são produtos tradicionais, como é o caso do DOP, comunicando o seu valor e a sua importância na cultura gastronómica nacional. Por outro lado, os portugueses devem privilegiar a compra dos nossos produtos, em particular este Queijo, que é um produto único no mundo.”
É nesta expectativa que João Pires acrescenta que “estão empenhados em continuar a atrair novos pastores, em melhorar as condições do maneio animal, a introdução de tecnologia. Mas, para que se mantenha este produto por mais mil anos, é necessário que ao queijo seja atribuído o valor correto, e que os portugueses dessa forma sintam também que fazem parte desta riqueza gastronómica nacional.”
Outra particularidade de João Pires é que não desiste – “eu costumo dizer que as minhas ovelhas são a minha vida.”